DATAS COMEMORATIVAS

A HISTÓRIA DO ENSINO DE QUALIDADE EM SOROCABA PASSA PELO “ESTADÃO”

O nome é Escola Estadual “Dr. Júlio Prestes de Albuquerque”, mas é conhecido como “Ginásio do Estado” ou apenas “Estadão”, bem ao gosto do jeito simples e afetivo do sorocabano denominar as coisas por uma palavra no aumentativo.

Esse tratamento de “Estadão” chegou a causar estranheza no princípio. Afinal, tratava-se do nosso primeiro ginásio público e, mais tarde, o primeiro colégio mantido pelo governo do estado em Sorocaba e que chegava com nova metodologia de ensino, com muito rigor e disciplina. Parecia falta de cerimônia e de respeito...

Mesmo assim, o termo “Estadão” ficou, ocupando hoje espaço carinhoso na memória da cidade. Grandão no tamanho, na história do ensino, na excelência dos mestres e na qualidade de tantos alunos que lá iniciaram seus estudos e fizeram sucesso na vida.

Até hoje impressiona a visão dos antigos ladrilhos hidráulicos de seus longos corredores, bem como o estilo art-déco da fachada, com seus volumes decorativos que romperam o jeito eclético e pesado dos prédios públicos, transitando para a modernidade. É um patrimônio construtivo, educacional e cultural da cidade, ainda que não tombado oficialmente.

O “Estadão” nasceu em 1928, como Ginásio Municipal de Sorocaba, a partir de uma iniciativa de lideranças da cidade. Só no ano seguinte, o prefeito (intendente) João Machado de Araújo (também seu primeiro diretor) criou o “Gimnásyo Municipal” e a anexa Escola Normal Livre Municipal. Esse “Normal” era o curso complementar de formação de professores primários (depois Magistério), que ainda não tínhamos. “Livre” significava que era de iniciativa privada.

Naquela época, quem queria ser professor tinha que estudar fora, especialmente na Escola Peixoto Gomide, de Itapetininga, cidade que, por ter mais força política, havia conquistado escola estadual com Curso Normal já em 1895, mais de trinta anos antes de Sorocaba.

O ENSINO E A POLÍTICA

A nossa primeira escola pública com Normal “anexo”, que deu origem ao Estadão, teve dificuldade para encontrar um local adequado. Foi a Loja Maçônica Perseverança III, de longa tradição no apoio ao ensino, que ofereceu espaço no histórico prédio da Casa da Câmara e Cadeia, na esquina das ruas Barão de Rio Branco e XV de Novembro, construção que vinha dos primórdios de Sorocaba. Foi ali que o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar foi proclamado Presidente da Província de São Paulo, na Revolução Liberal de 1842.

Sorocaba já contava, desde 1910, com o moderno prédio do Grupo Escolar Antônio Padilha, na rua Cesário Motta, construído pelo governo do Estado, dentro do espírito positivista da Primeira República. Mas não tinha uma sede ampla para acolher os alunos do curso ginasial, quando a cidade conseguia novo “status” educacional. Por falta de uma escola desse nível, muitas famílias chegaram a deixar a cidade em busca do melhor ensino para seus filhos.

Em 1930, a Câmara (não havia Prefeitura) iniciou a construção do prédio próprio da escola municipal no “Jardim dos Bichos”, atual praça Frei Baraúna. Mas justamente nesse ano aconteceu a Revolução que impediu que o Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, de Itapetininga, então presidente da Província de São Paulo, assumisse a presidência da República, eleito que foi naquele ano. E o ditador Getúlio Vargas assumiu o poder.

Os interesses políticos prejudicaram muito Sorocaba quanto à conquista de obras públicas. Havia na época grande disputa entre os “vergueiristas” (do senador Luís Pereira de Campos Vergueiro) e os “não vergueiristas” (liderados por José Machado Araújo, com apoio de Júlio Prestes de Albuquerque). Ambos os grupos pertenciam à mesma sigla política dividida, o PRP – Partido Republicano Paulista.

Havia disputa para ver quem conseguia junto ao Estado trazer para Sorocaba um ginásio, um colégio e uma escola profissional - o futuro Colégio Técnico Cel. Fernando Prestes, que leva o nome do pai de Júlio Prestes de Albuquerque (hoje a ETEC Rubens de Faria e Souza, que foi professor do Estadão), na av. Comendador Pereira Inácio). O Colégio Técnico serviu de base para a criação do Curso Ferroviário, em 1931.

Com a ideia da criação do Ginásio Estadual encaminhada, as obras do prédio da escola municipal secundária, no Jardim dos Bichos, foi deixada de lado. Mais tarde, as estruturas iniciais da construção serviram de suporte para o prédio do Fórum, que substituiu o segundo prédio da Câmara e Cadeia, demolido em 1937 para receber as obras do atual Correio, na rua São Bento. As obras do Fórum Velho iniciadas só foram entregues em 1946.

Mas as lideranças locais, que já haviam criado o Ginásio Municipal, não esperaram a política. Em 1932 lançaram a “campanha do tijolo” para a construção do prédio próprio, em terreno doado por Alberto Trujillo, na avenida Eugênio Salerno, atual endereço da escola. O projeto da obra foi do saudoso engenheiro Júlio Bierrenbach Lima (que deu nome à escola em Santa Rosália), professor de Matemática do Estadão, pai de Júlio de Sá Bierrenbach (falecido em 2015, aos 96 anos), que também ali estudou e depois chegou a almirante de esquadra e ministro do Superior Tribunal Militar (STM).

Somente em 1934 é que o governo do Estado finalmente transformou a Ginásio Municipal em Ginásio Estadual, mantendo anexo o Curso Normal. Foi quando a escola, pelo seu tamanho e origem, começou a ser chamada de “Estadão”.

Em 1944, por ação do Padre Armando Guerrazzi, o Ginásio transformou-se na primeira escola pública de nível médio de Sorocaba, passando a ter, além do ginasial, também os cursos Colegial (antigo Científico), Magistério e Clássico.

Armando Guerrazzi foi escritor e professor de Português do Estadão até 1945, tendo falecido em 1947. No ano seguinte, em sua homenagem, foi criado o GEPAP – Grêmio Estudantil Padre Armando Guerrazzi, de marcante atuação na escola.

Em 1946, o Colégio Estadual recebia o nome de “Dr. Júlio Prestes de Albuquerque”, cuja fotografia como patrono foi entronizada em 1948, no Salão Nobre.

No processo de transferência para o governo estadual, a antiga Escola Normal anexa separou-se do Ginásio do Estado e veio a dar origem à atual Escola Municipal Dr. Getúlio Vargas, também na avenida Eugênio Salerno. E assim dois ferrenhos adversários políticos (Getúlio Vargas e Júlio Prestes de Albuquerque) passaram a ser vizinhos no nome das duas escolas amigas.


DIRETORES E ALUNOS BRILHANTES

Ao longo do tempo, a escola já teve 21 diretores. Entre eles, Achilles de Almeida, de 1930 a 1934 (ele deu nome à tradicional escola municipal); Roberto Paschoalich comandou em três oportunidades, no período entre 1939 e 1948; Roque Ayres de Oliveira, de 1948 a 1962; Helly Grillo Mussi (filha do professor Nestor Grillo) ficou por 20 anos, de 1962 a 1982; Genny Laino entre 1979 e 1983; Dulcina Guimarães Rolim, de 1991 a 1993; e Guaracy Rodrigues Bueno dirigiu o Estadão ao longo de 24 anos – de 1993 a 2017. A atual diretora é a professora Arlete Fernandes Vellozo Dias.

A Escola Estadual “Dr. Júlio Prestes de Albuquerque”, que já foi denominada também como Instituto de Educação e Escola de Primeiro e Segundo Graus, refletia um novo momento de Sorocaba, que superava o período do tropeirismo, da atividade econômica rural-comercial e atingia o estágio urbano-fabril, com a consolidação industrial do setor têxtil. O Estadão viu nascerem as belas residências da rua Moreira César e da av. Eugênio Salerno, com seus saudosos flamboyants no canteiro central, nas proximidades do Seminário Diocesano e da Igreja Carlos Borromeu, considerada região da “nova elite sorocabana”. De “elite”, mesmo, era o padrão de ensino, ao alcance também das famílias mais humildes.

O sistema pedagógico adotado na Escola do Estado de Sorocaba foi o do Colégio D. Pedro II, do Rio de Janeiro, famoso deste os tempos imperais, primeiro colégio criado para ser referência de ensino no Brasil. Foi protagonista da educação nacional por meio do desenvolvimento científico, artístico e cultural, com um programa de ensino de base clássica e tradição humanística. A instituição do Rio de Janeiro conferia a seus formandos o diploma de Bacharel em Ciências e Letras, o que os habilitava a ingressar no ensino superior sem prestar exames. Por décadas, o programa estabelecido pelo Colégio Pedro II foi referência nacional para outros estabelecimentos de ensino secundário, assim como também foi exemplar a manutenção da disciplina entre o corpo discente.

O Estadão tinha este mesmo perfil, inclusive com a adoção do “exame de admissão” (vestibulinho) para avaliar se o aluno tinha de fato condições de acompanhar o nível do ensino praticado.

Por isso, seus professores eram muito respeitados e a escola passou a ser considerada um “celeiro de ensino”. “Falou-se em Estadão, acabou-se a discussão” virou refrão de respeitabilidade. Quem fazia ali o curso médio nem precisava de cursinho para entrar na faculdade.

Os arquivos da escola, os documentos de registros, os milhares de prontuários (com fichas, boletins e comprovantes do exame de admissão com a média e a foto 3 x 4), os álbuns de fotografias das formaturas, entre outros registros, mostram gerações de professores e alunos que marcaram época.

Do Estadão saíram oito prefeitos de Sorocaba: Armando Pannunzio, José Theodoro Mendes, Flávio Chaves, Paulo Mendes, Renato Amary, Vitor Lippi, Antônio Carlos Pannunzio e José Antônio Caldini Crespo. Eles estão lá, nas pastas, ainda meninos nas fotos, com todo o histórico escolar.

Nos prontuários estão os atestados de saúde fornecidos pelo Dispensário Regional de Tuberculose, comprovando que o aluno ou professor “acha-se em estado aparente de integridade física e mental, não sofre de doença contagiosa ou repugnante e foi nesta data vacinado contra a varíola”.

Na pasta de Theodoro Mendes, por exemplo, consta que ele foi aprovado no exame de admissão com média 8,5, com a anotação: “por enquanto tem mostrado bom comportamento”.

Além do ministro do Superior Tribunal Militar Júlio de Sá Bierrenbach, do Estadão também saiu o brigadeiro Querubim Rosa Filho, nascido em Sorocaba em 1926, filho de Querubim Rosa e de Isabel Rolim Rosa, nomeado ministro do Superior Tribunal Militar em 1989 e presidente daquela Corte de 1993 a 1995.

Nos registros de frequência dos professores, consta que alguém (como a saudosa professora Laila Gallep Saker, que deu nome à escola) faltou “por motivo de moléstia”, entre outras anotações de famosos mestres que por lá passaram, como Arthur Fonseca (foi deputado federal) e outra Laila - Laila Miguel Saker, falecida recentemente aos 99 anos.

Recortes antigos de jornais mostram a trajetória da escola. E muitas fotos de laboratórios, de equipamentos, de sessões solenes no Salão Nobre, atividades esportivas, ampliações do prédio, alunos em salas de aula, com vários modelos de uniformes adotados ao longo do tempo, fanfarra, desfiles memoráveis pelo centro da cidade, atividades esportivas, excursões, palestras.

A escola ainda guarda o velho esqueleto usado nas aulas de anatomia, hoje escondido dentro de um saco. Em cada aula, os alunos mudavam a posição da mão dele, para criar suspense. No porão do Estadão ainda restam velhas carteiras, vidros de laboratório e até a “carcaça” da antiga cadeira do gabinete odontológico, novidade que um dia mereceu inauguração oficial. Havia a lenda de que aquela cadeira era usada para “torturas” de alunos... O folclore da escola também é grande.

Todo esse material é base para a montagem do Museu do Estadão, projeto que vem sendo articulado, e que contará com a colaboração também de ex-alunos e Amigos do Estadão.

Hoje, o Estadão conta com 16 salas de aula, mais 7 salas anexas do Estudo de Línguas Ao todo são perto de 2.600 alunos.

(Celso Ribeiro – ex-aluno e ex-professor do Estadão) Abril de 2019.